O maior mito sobre composição e design de áudio é que significam criar sons grandiosos. Isso não é verdade, ou ao menos não é toda a verdade.
O que é o Design de áudio?
Você pode assumir que se trata de criar efeitos de som elegantes. Mas isso não descreve de forma acurada o que Ben Burtt e Walter Murch, que inventaram o termo, fizeram em “Star Wars” e “Apocalipse Now”, respectivamente. Nesses filmes eles trabalharam com Diretores que não estavam apenas buscando efeitos de som poderosos para anexarem a estrutura que já estava pronta. Pela experimentação com o som, mexendo com ele (e não apenas efeitos sonoros, mas também música e diálogo), tudo o que aconteceu pela produção e pós-produção foi o que Francis Coppola, Walter Murch, Georce Lucas e ben Burtt acharam que faria o som moldar a imagem da mesma forma que a imagem moldava o som. O resultado foi muito diferente de tudo o que se tinha ouvido antes. Os filmes se tornaram lendas, e suas trilhas sonoras mudaram para sempre a maneira que o áudio era imaginado.
O que se passa por “som grandioso” nos filmes de hoje é frequentemente meramente um som muito alto. Alta fidelidade na gravação de tiros e explosões, e vocalizações de aliens bem feitas não constituem um design de áudio grandioso. Uma pedaço de um musical bem orquestrado e gravado não tem valor se não for bem integrado ao filme como um todo. Dar aos atores um monte de coisas para falar em cada cena não é necessariamente um favor a eles, aos personagens ou ao filme. O som, a música e equivalentes, tem seu valor quando são parte de uma todo, quando vão sendo mudados no decorrer do tempo, possui a sua própria dinâmica e ressoa junto a outros sons e com as suas experiências sensoriais.
O que se propõe aqui é que a maneira que um idealizador tirar vantagem do som não é simplesmente tornar possível a gravação de um bom áudio no set, ou simplesmente contratar um designer/compositor de som talentoso, mas ao invés disso projetar o filme com o áudio em mente, para permitir que as contribuições sonoras influenciem as decisões criativas em outras áreas. Filmes tão diferentes quanto “Star Wars”, “Citizen Kane” “Raging Bull” “Eraserhead” “The Elephant Man” “Never Cry Wolf” e “Once Upon a Time In The West” são perfeitamente “projetos para o áudio”, apensar de nenhum designer de áudio ter sido creditado em muitos deles.
Mas todo filme deseja, ou precisa, ser como “Star Wars” ou “Apocalypse Now”? Absolutamente não. Mas vários filmes podem se beneficiar desses modelos. Sidney Lumet disse recentemente em uma entrevista que ele tem se maravilhado no que Francis Coppola e Walter Murch conseguiram obter na mixagem de “Apocalypse Now”. Bem, o que a mixagem tinha de excelente foi que começou muito antes de se chegar perto de um estúdio de dublagem. De fato, começou no roteiro, e a inclinação de Coppola de dar aos personagens de seu filme a oportunidade de ouvir o mundo em que eles estavam.
Muitos diretores que dizem apreciar o som ainda tem uma vaga idéia do potencial do som na história. A visão geralmente aceita é que é útil ter um som “bom” para se conseguir uma melhora no visual em uma realidade temporal. Mas isso não é colaboração, é escravidão. E o resultado entregue é limitado a ser menos complexo e interessante do que poderia ser se o som pudesse de alguma forma se libertar e ter um papel mais ativo no processo. Apenas quando cada equipe influencia umas às outras o filme começa a tomar vida própria.
Uma coisa quase viva
É um mito comum dizer que o momento para os cineastas pensarem seriamente sobre o áudio é no final do processo de produção do filme, quando a estrutura dele já está pronta. Dessa forma, como o compositor saberá qual tipo de música escrever a menos que ele/ela examine ao menos uma montagem bruta do produto final? Para alguns filmes essa abordagem é adequada. Raramente funciona incrivelmente bem. Mas não parece estranho que nessa mídia supostamente colaborativa, música e efeitos sonoros raramente tenham a oportunidade de exercer alguma influência nas equipes não-sonoras? Como o Diretor supostamente deve saber como criar o filme sem ter um plano para o uso da música?
Um filme dramático que realmente funciona é, em muitos casos, quase vivo, uma teia complexa de elementos que são interconectados, quase como tecidos vivos, e que a despeito de suas complexidades funcionam juntos para apresentar um conjunto de comportamentos mais ou menos coerente. Não faz sentido montar um processo no qual a função de uma equipe, a de som, é simplesmente reagir, seguir, não ter a oportunidade de fornecer feedback ao sistema do qual faz parte.
O terreno básico, como é agora
Muitos diretores de filmes tendem a oscilar entre dois estados bem diferentes de consciência em relação ao áudio de seus filmes. De um lado, eles tendem a ignorar qualquer consideração séria relacionada ao áudio (incluindo a música) nas etapas de planejamento, filmagem e início da edição. Então eles de repente arranjam uma dose temporária de comprometimento quando percebem que existem furos na história, cenas fracas e edição ruins para esconder. Nesse momento eles depositam todas suas esperanças no valor do som para tornar seus filmes mais assistíveis. Infelizmente, nessa alura do processo é normalmente muito tarde para isso, e após algumas tentativas vãs para parar um hemorragia com band-aid, o Diretor abaixa a cabeça, e adota uma postura cínica até o próximo projeto.
Pré-produção
Se um roteiro possui muitas referência a sons específicos, pode-se ficar tentados a concluir que esse roteiro é bom para o áudio. Mas esse não é necessariamente o caso. O nível no qual o áudio será eventualmente capaz de participar da contagem da história será mais determinado pelo uso do tempo, espaço e ponto de vista na história do que por quão frequente o roteiro menciona sons. A maioria das melhores sequências de som nos filmes são sequência “pov” (point of view). A fotografia, o bloqueio de atores, o design da produção, direção de arte, edição e diálogos são montados de forme que nós, a audiência, possamos experimentar a ação mais ou menos do ponto de vista de um ou mais caracteres da sequência. Como o que vemos e ouvimos é filtrado pela consciência deles, o que eles ouvem pode nos fornecer um bocado de informação sobre o que eles sentem. Ao descobrir como usar o “pov”, assim como usar o espaço acústico e o elemento do tempo, deve-se começar a escrita. Alguns roteiristas naturalmente pensam nesses termos, mas a maioria não. E isso quase nunca é ensinado nos cursos de roteirização para cinema.
As considerações mais sérias relacionadas a maneira pela qual o som será usado na história é tipicamente deixada para o diretor. Infelizmente, muitos diretores possuem apenas uma vaga noção de como usar o áudio porque eles não foram ensinados a isso. Em virtualmente todos os filmes estudantis o tratamento sonoro é visto simplesmente como uma série tediosa e misteriosa de operações técnicas, um mal necessário no caminho para a parte divertida.
Produção
No set, virtualmente cada aspecto do trabalho da equipe de som é dominado pelas necessidades da equipe de câmera. As locações para as filmagens são escolhidas pelo Diretor, Diretor de fotografia e Designer de produção bem antes de alguém preocupado com o áudio ser contratado. Os sets são construídos com pouca ou nenhuma preocupação com as implicações para o áudio. As luzes fazem barulho, o gerador é posicionado muito perto. O piso poderia ser facilmente acolchoado para amenizar o som de passos quando os pés não estiverem na tomada, mas não tempo suficiente para isso. As tomadas são normalmente compostas, bloqueadas e iluminadas com pouco esforço em auxiliar a equipe de som, seja na locação ou na pós-produção, a se beneficiar do potencial dramático inerente a situação. Em quase todos os casos, critérios visuais determinam quais tomadas serão utilizadas. Qualquer momento que não contenha algo visualmente fascinante é rapidamente cortado.
Raramente se discute, por exemplo, sobre o que deve ser ouvido ao invés de ser visto. Se muitos personagens estão conversando em um bar, talvez um deles deveria estar em um canto escuro. Nós ouvimos a sua voz, mas não vemos ele. Ele pontua as poucas coisas que fala com o som de um garrafa que ele rola sobre a mesa em frente a ele. Finalmente ele põe uma nota na garrafa e rola pelo chão do bar escuro. Ela para aos pés do personagem que nós vemos. Essa abordagem poderia ser aproveitada para comédia, drama ou ambas como se pode ver em “Once Upon a Time in the West”. De qualquer forma, o áudio está contribuinte de alguma forma na cena. O uso do áudio influenciará fortemente a forma que a cena é montada. Ocultar algo da visão irá inevitavelmente dar à audição, e dessa forma à imaginação, mais opções para se jogar.
Pós-produção
Finalmente, na pós, o áudio cautelosamente sai do armário e tenta se impor, normalmente na forma de um compositor e um supervisor de edição de som. O compositor recebe de quatro a cinco semanas para produzir setenta a noventa minutos de uma boa música. O supervisor de edição de som recebe de dez a quinze semanas para suavizar o diálogo da produção (apontar, gravar e editar o ADR) e tentar cunhar alguns poucos efeitos sonoros em sequências que não foram feitas para eles, tendo o cuidado de cobrir cada possível opção que o Diretor possa desejar porque não haverá tempo para ele tomar decisões antes da mixagem. Enquanto isso, o filme está sendo continuamente re-editado. O Editor e o Diretor, desesperadamente buscando meios de melhorar o que eles tem em mãos, fazem ajustes meticulosos, muitos consistindo de poucos frames, o que resulta nos departamentos de música, efeitos sonoros e edição de diálogo terem que gastar uma grande percentagem do tempo precioso que eles tem tentando corrigir buracos causados pelas mudanças na imagem.
O ambiente sombrio que envolve a gravação do ADR é de várias formas um simbolismo da função secundária do som. Todos reconhecem que o diálogo da produção é quase sempre superior em qualidade de desempenho que o ADR. Muitos diretores e atores menosprezam o processo do ADR. Todos vão às sessões de ADR assumindo que o produto será inferior ao que foi gravado no set, exceto que será compreensível, visto que a gravação feita no set (em muitos casos onde o ADR é necessário) estava cheia de ruídos e/ou distorcida.
A atitude depreciativa em relação a possibilidade de obter algo maravilhoso de uma sessão de ADR se torna, naturalmente, em uma profecia cumprida. Essencialmente nenhum esforço é posto em dar à sessão de ADR o nível de entusiasmo, energia e exploração que caracteriza o set de filmagem quando as câmeras estão ligadas. O resultado é que as performances do ADR quase sempre tiram a “vida” do original. Elas estão mais ou menos em sincronia, e são compreensíveis. Por que não gravar o ADR na locação, em locais reais que inspirem os atores e forneçam um acústica realística? Isso seria levar o ADR a sério, como tantas outras atividades centradas no som. O ADR é tratado basicamente como uma operação técnica, que deve ser feita da forma mais rápida e barata possível.
Levando o áudio a sério
Se a sua reação a tudo isso for “Então, o que você espera, não é um meio visual?” não há nada que eu possa dizer que possa mudar sua mente. Minha opinião é que o filme definitivamente não é um “meio visual”. Eu acho que se você olhar de perto e ouvir a pelo menos uma dúzia de filmes que você considera ótimos, perceberá quão importante é a função do som em muitos senão em todos eles. É até mesmo um erro dizer “a função do som”, porque de fato quando uma cena está sendo filmada, os elementos visuais e auriculares estão trabalhando tão bem juntos que é praticamente impossível distinguir um do outro. As sugestões que seguem abaixo obviamente não se aplicam a todos os filmes. Nunca haverá uma fórmula para criar grandes filmes ou grandes sons de filmes. Faça isso o máximo que puder…
Escrevendo para o áudio
Contar uma história através de um filme, como contar qualquer tipo de história, se trata de criar conexões entre personagens, lugares, objetos, experiências e idéias. Você tenta inventar um mundo que seja complexo e tenha várias camadas. Mas ao contrário da maior parte da vida real (que tende a ser mal escrita e editada), em um bom filme um conjunto de temas emerge e encorpa um arco ou linha bem identificado, que é a história.
Parece para mim que um elementos da escrita de filmes se destaca sobre todos os outros em termos de tornar o possível filme o mais “cinemático” possível: o estabelecimento do ponto de vista. A audiência experimenta a ação através de sua identificação com os personagens. O processo de escrita precisa preparar o terreno para definir o ponto de vista antes que atores, câmeras, microfones e editores entrem em ação. Cada um desses podem obviamente aperfeiçoar o elemento do ponto de vista, mas o roteiro precisa conter a base de tudo.
Vamos dizer que nós estamos escrevendo uma história sobre um cara que, quando era um garoto, amava visitar o seu pai na mina onde ele trabalhava. O garoto cresce e parece bem feliz com sua vida como advogado, longe da mina. Mas ele tem pesadelos problemáticos e ambíguos que eventualmente levam ele a voltar a sua cidade natal numa tentativa de encontrar a fonte dos pesadelos.
A descrição acima não diz nada específico sobre o possível uso do som na história, mas eu escolhi elementos básicos para história que tem um grande potencial para o uso do som. Em primeiro lugar, será natural contar a história mais ou menos através do ponto de vista do personagem central. Mas isso não é tudo. Uma mina nos dá uma imensa paleta de sons. Mais importante, é um lugar que podemos manipular para produzir um conjunto de sons que varia de sons banais para emocionantes para assustadores para estranhos para confortáveis para feios ou bonitos. O local pode mesmo torna-se um personagem, e ter sua própria voz, com uma variação de “emoções” e “humores”. E os sons da mina podem ressoar com uma ampla variedade de elementos em outros lugares da história. Nenhuma dessas coisas boas irão acontecer a menos que escrevemos, filmemos e editemos a história de uma forma que permita que aconteça.
O elementos do sonho na história acena para uma possibilidade do som como colaborador. Em uma sequência de sonho nós como criadores do filme temos mais latitude que o normal para modular o som para servir à nossa história, e fazer conexões entre os sons no sonho e sons do mundo para o qual o sonho está suprindo dicas. Além disso, a faixa de tempo entre o período “garotinho” e o período “adulto” oferece-nos um bocado de oportunidades para comparar e contrastar os dois mundos, e a percepção do personagem. Na transição de um período para outro, um ou mais sons podem passar por uma metamorfose. Talvez enquanto nosso personagem sonhe acordado com sua infância, o som rítmico de uma mina mude para o som de um trem levando ele de volta para a sua cidade natal. Qualquer som, por ele mesmo, apenas tem muito valor intrínseco. Por outro lado, quando um som muda no decorrer do tempo em resposta a elementos de uma história maior, ele enriquece-a exponencialmente.
Abrindo as portas para o áudio, diálogos eficientes
Infelizmente, é comum para um diretor vir a mim com uma sequência composta de tomadas não ambíguas não misteriosas e desinteressantes de uma locação como uma mina e me pedir para que esse local seja sinistra e fascinante com efeitos sonoros. Como a cereja do bolo, a sequência tipicamente tem diálogos parede-a-parede que tornam quase impossível ouvir qualquer som que eu desesperadamente queira inserir.
Em anos recentes tem havido uma influência cada vez maior da televisão de inserir diálogo rápidos em filmes. A sábia velha máxima de que é melhor dizer algo com ações do que palavras parece ter perdido vigor. Quentin Tarantino tem feito alguns filmes excelentes que dependem muito do diálogo, mas ele incorpora cenas que usam diálogos esparsos também.
Existe um fenômeno na criação de filmes que meus amigos e eu algumas vezes chamamos de “teoria do 100%”. Cada cabeça de departamento em um filme, ao menos que seja instruído ao contrário, tende a assumir que seu trabalho é 100% da produção do filme. O resultado frequente é um amontoado de produtos visuais e auriculares descoordenados, cada equipe competindo por atenção, e frequentemente adicionando poucos mais do que barulho a menos que o diretor e o editor façam o seu trabalho extremamente bem.1
Diálogo é uma das áreas onde sua inclinação para a densidade é seu pior. No tipo do diálogo da produção, a tendência é adicionar quanto mais ADR pode ser feito em uma cena. Eventualmente, todo o espaço não ocupado com palavras é preenchido com gemidos e respiração (supostamente um esforço para “manter o personagem vivo”). Finalmente a faixa é salva (algumas vezes) de ser uma auto paródia apenas pelo fato de existir tantos sons ocorrendo simultaneamente que ao menos um dos diálogos adicionados é mascarado. Se sua atenção é encher o seu filme de diálogo esperto, talvez você deva considerar fazer uma peça de teatro.
Personagens precisam ter a oportunidade de escutar
Quando um personagem olha para um objeto, nós da audiência estamos olhando para ele mais ou menos através de seus olhos. A maneira pela qual ele reage ao ver o objeto (ou não reage) pode nos dar informações vitais sobre quem ele é e como ele se ajusta a essa situação. O mesmo vale para o ato de escutar. Se não houverem momentos onde nosso personagem possa ouvir o mundo em torno dele, então a audiência é privada de uma importante dimensão de sua vida.
Imagem e áudio como Colaboradores
Efeitos sonoros podem tornar um cena muito assustadora e interessante, mas eles normalmente precisam de um pouco de ajuda da parte visual. Por exemplo, nós podemos querer ter uma máquina que faz sons estranhos em funcionamento fora do campo de visão da câmera para adicionar tensão e atmosfera. Se existir ao menos uma tomada breve e curta de alguma máquina que esteja emitindo o som, isso ajudará imensamente a estabelecer o som. Durante essa tomada podemos realçar o som, marcando-o firmemente na mente da audiência. Então não temos mais nunca que vê-la novamente, mas a cada vez que a audiência escutar o som, eles saberão do que se trata (mesmo se estiver sendo executado num volume bem baixo durante um diálogo), e farão as associações apropriadas, incluindo um senso da geografia do local.
O contraste entre um som ouvido à distância, e o mesmo som ouvido de perto pode ser um elemento muito poderoso. Se nosso personagem e um velho amigo estiverem andando pela mina, e escutarem, de longe, sons de máquinas preenchendo a vizinhança, haverá um contraste poderoso quando eles chegarem na entrada da mina. Como um ex-mixador de áudio, se um diretor alguma vez me dissesse que uma cena seria filmada a poucos blocos de distância da mina de forma a estabelecer quão poderosos os sons da mina atingem a vizinhança ao redor dela, eu provavelmente entraria em coma após beijar os pés dele. Diretores essencialmente nunca baseiam suas decisões sobre onde filmar uma cena nas necessidades do áudio em contribuir para a história.
Direção de arte e áudio como Colaboradores
Vamos dizer que estamos escrevendo um personagem para um filme que estamos produzindo. Ele está sem dinheiro, faminto, desesperado. Precisamos, obviamente, projetar o espaço onde ele vive. Possivelmente um apartamento em condição precária no meio de uma cidade grande. O jeito que esse local parece nos dará um bocado de informações sobre quem o personagem é e como ele se sente. E se levarmos o som em conta quando fizermos o projeto visual então teremos o potencial de escutar através dos ouvidos do personagem esse lugar terrível que ele mora. Talvez água e canos de esgoto sejam visíveis através das paredes. Se estabelecermos um desses canos em visão de perto, isso faria maravilhas para a habilidade do designer de som de criar sons de coisas sendo levadas pelos canos e vibrando-os. Uma visão de um dos canos, acompanhado por sons grotescos vindo deles, é tudo que precisamos para claramente dizer para a audiência quão feio esse lugar é. Depois disso, precisamos apenas ouvir esses sons e a audiência fará a conexão aos canos sem mesmo ter que vê-los.
É maravilhoso quando um filme dá a você o sentimento de conhece de fato os lugares apresentados por ele. Cada lugar desse está vivo, tem personagens e humores. Um bom ator encontrará maneiras de usar esse local onde ele se contra para revelar mais detalhes sobre o personagem que ele interpreta. Precisamos ouvir os sons que esse local faz para conhece-los. Precisamos ouvir a voz do ator reverberando no local. E quando ele está em silêncio, precisamos ouvir o jeito que esse local estará sem ele.
A privação da visão, a utilidade da ambiguidade
Espectadores e ouvintes se interessam por uma história principalmente porque eles são levados a acreditar que existem questões interessantes a serem respondidas, e que eles, a audiência, podem possuir algumas idéias úteis para resolver o quebra-cabeça. Se isso é verdade, podemos afirmar que um dos elementos cruciais do processo de contar uma história é saber o que não esclarecer de imediato, e então conceber técnicas que usem a câmera e os microfones para seduzir a audiência com informação suficiente para que eles se animem e envolvam-se com a história. É como se o nosso trabalho fosse manter pequenas questões interessantes no ar que envolve cada cena, ou pôr pedaços de bolo no chão que levem a um outro local, mas não em linha reta.
O som pode ser a ferramenta mais poderosa do arsenal do cineasta em termos de habilidade para seduzir sua audiência. Isso se deve porque “o som”, como o grande editor de som Alan Splet disse um vez, “é uma coisa do coração”. Nós, da audiência, interpretamos o som com nossas emoções, não com nosso intelecto.
Vamos assumir que como cineastas querem levar o som a sério, e que os primeiros problemas já foram identificados:
1) Existe o desejo de contar a história mais ou menos do ponto de vista de um ou mais personagens.
2) Locais foram escolhidos, e sets projetados, que não descartam o som com um dos jogadores, e de fato, o encoraja.
3) Não existe um diálogo rápido.
Abaixo segue algumas maneiras de agradar a visão, e ainda assim convidar a audição para a festa:
A beleza de lentes longas e de lentes curtas
Existe algo estranho em olhar através de lentes muito longas ou muitos curtas. Vemos coisas de uma maneira que não vemos ordinariamente. A inferência é que estamos olhando através dos olhos de alguém. Na sequência de abertura de “The Conversation” vemos pessoas na “San Francisco Union Square” através da lente de um telescópio. A falta de profundidade de campo e outras características desse tipo de lente nos coloca em espaço bastante subjetivo. Como resultado, podemos facilmente justificar a escuta de sons que podem ter muito pouco a ver com o que vemos na tomada, e mais a ver com a maneira que o sentimento da pessoa que está olhando pela lente. A maneira que usamos esse tipo de tomada determinará se essa inferência será óbvia para a audiência ou se será mantida subliminar.
Ângulos Não Convencionais e Câmeras móveis
A tomada pode estar no nível do chão ou no nível do teto. O quadro pode estar rotacionado alguns poucos graus na vertical. A câmera pode estar em um trilho, à mão, ou apenas se movendo horizontalmente (panning). Em qualquer um desses casos o efeito será colocar a audiência em um espaço não familiar. A tomada não estará simplesmente “representando” a cena. A tomada se torna parte da cena. O elemento do espaço não familiar sorrateiramente escancara a porta para o som.
Escuridão em torno dos cantos do quadro
Em muitos bons filmes noir clássicos o quadro era cuidadosamente composto com áreas escuras. Apesar da audiência poder não considerar conscientemente o que habita esses pontos escuros, eles contudo entendem o ponto, espreitando algo fora do quadro é muito complexo para se dixar ser fotografado muito facilmente. Não esqueça que os ouvidos são os guardiões do sono. Eles nos dizem o que precisamos saber sobre a escuridão, e alegremente nos fornecem dicas sobre o que está acontecendo.
Close-ups extremos e Tomadas de longa distância
Tomadas muito próximas das mãos das pessoas, de suas roupas, etc tendem a nos fazer sentir como se tivéssemos experimentando as coisas do ponto de vista ou da pessoa sendo filmada ou da pessoa cujo ponto de vista estamos compartilhando. Tomadas de longa distância são maravilhosas para o uso do som porque fornecem uma oportunidade para se ouvir a plenitude ou o vazio de uma paisagem ampla. Carrol Ballards filmou “The Black Stallion” e “Never Cry Werewolf” usando tomadas longas e close-ups extremos de forma maravilhosa com o som.
Câmera lenta
“Ranging Bull” e “Taxi Driver” contém alguns usos óbvios e muito sutis de câmera lenta. Alguns desses usos quase não são perceptíveis. Mas eles sempre parecem nos colocar em um espaço do sonho, e nos dizer que alguma coisa estranha, e não muito saudável, está acontecendo.
Imagens em preto e branco
Muitos fotógrafos de still sentem que imagens preto e branco tem muitas vantagens artísticas sobre as coloridas. Entre eles, tomadas preto e branco são frequentemente menos “cheias” do que imagens coloridas, e dessa forma entregam mais de si mesma um sentimento coerente. Somos cercados no dia a dia por cores e imagens coloridas. Uma imagem preto e branco atualmente é claramente “entendida” como o ponto de vista de alguém, não como uma apresentação “objetiva” de eventos. Em filmes, como ainda em fotografia, pintura, ficção e poesia, o artista tende a se preocupar mais em comunicar sentimentos do que “informação”. Imagens preto e branco tem o potencial de cobrir o máximo de sentimentos sem o “tumulto” das cores.
Sempre que nós como audiência somos colocados em um “espaço” visual em que somos encorajados a “sentir” ao invés de “pensar”, o que chega a nossos ouvidos pode informar esses sentimentos e aumenta-los.
O que todas essas abordagens visuais tem em comum?
Todas elas são formas de reter informação. Quando feitas bem, o resultado terá a seguinte implicação: “Vamos lá, pessoal se nós pudéssemos ser mais explicito sobre o que está acontecendo aqui nós com certeza seriamos, mas isso é tão misterioso que mesmo nós, que contamos a história, não entendemos quão interessante é. Talvez você possa nos ajudar um pouco”. Essa mensagem é a isca. Acene ela para a audiência e ela não será capaz de resistir em embarcar na história. Nesse processo, eles trazem sua imaginação e experiências com eles, tornando pessoal a história sendo contada. Sucesso!
Nós, os cineastas, estamos todos sentados em volta de uma mesa na pré-produção, pensando como criar a mais deleitável isca possível, e como tornar a isca imperceptível (não são mais interessantes as histórias cujos contadores tem que ser implorados para contar?). Nós sabemos que queremos algumas vezes usar a câmera para reter a informação, para provocar, ou colocando de forma mais direta: para seduzir. O método mais preciso de sedução envolverá inevitavelmente o som.
Idealmente, o diálogo inconsciente nas mentes da audiência deve ser algo como: “o que eu estou vendo não está me dando informação suficiente. O que eu estou ouvindo é ambíguo também. Mas a combinação desses dois elementos parece apontar na direção de um recipiente vagamente familiar no qual eu posso depositar minha experiência e fazer algo que eu nunca antes imaginei”. Não é óbvio que o microfone tem um papel tão importante em atingir essa performance quanto a câmera.
Editando a imagem com o som em mente
Uma das muitas coisas que um editor faz é se livrar de momentos no filme onde nada acontece. Um objetive desejável na maior parte do tempo, mas nem sempre. O editor e o diretor precisam serem capazes de perceber quando é útil estender uma tomada após o termino dos diálogos, ou antes deles começarem. Ficar em volta depois que o óbvio “Ação” acontecer, de forma a podermos escutar. Naturalmente ajuda um pouco se a cena tiver sido filmada com essas pausas úteis em mente. Nessas pequenas pausas o som pode se impor, para nos dizer algo sobre onde estávamos ou para onde vamos.
Walter Murch, o editor e designer de som, usa várias técnicas não convencionais. Uma delas é gastar um certo período de seu tempo na edição escutando ao som todo. Ele assiste e edita as imagens visuais sem ouvir o som sincronizado que foi gravado como essas imagens foram fotografadas. Essa abordagem pode ironicamente ser um grande estopim para o uso do som no filme. Se o editor puder imaginar o som (musical ou o que seja) que pode eventualmente acompanhar uma cena, ao invés de ouvir a trilha bruta, descontinua e frequentemente irritantemente síncrona, então o corte terá mais chances de deixar espaço para momentos em que som que não seja diálogo possa eventualmente dar sua contribuição.
Talentos do áudio
Música, diálogo e efeitos sonoros podem executar as seguintes tarefas, e muito mais:
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A qualquer momento em um filme, o som estará executando várias dessas funções de uma vez.
Mas o som, se for bom, também tem vida própria, além dessas funções utilitárias. E sua habilidade de ser bom e útil para a história, além de poderoso, bonito e vivo serão determinados pelo estado do oceano em que ele navega, o filme. Suas tentativas de colar um som em uma estrutura pré-determinadas resultarão quase sempre em situações abaixo de suas expectativas. Mas se você encorajar os sons de seus personagens, coisas e locais em seu filme a informar suas decisões à todas as equipes, então o seu filme pode amadurecer para ter um voz além de tudo o que você pode imaginar.
Então, o que um designer de som faz?
Era o sonho de Walter Murch e de outros nos dias criativos da American Zoetrope que o som seria levado tão a sério quanto a imagem. Eles imaginaram que ao menos alguns filmes poderiam usar a orientação de alguém bem estudado na arte do som em histórias não apenas para criar sons mas também para coordenar o uso dos sons no filme. Essa pessoa, eles imaginaram, pensariam junto com o diretor e o roteirista na pré-produção para integrar o som em história na página. Durante as filmagens essa pessoa se certificaria que as gravações e dublagens do som no set receberiam a devida importância que merece, e não seriam tratadas com baixa prioridade, o que sempre é a tentação no calor das tentativas diárias de tomadas. Na pós produção, essa pessoas continuaria a fabricação e coleção de sons iniciadas na pré-produção, e trabalharia com outros profissionais de som (compositores, editores, mixadores), além do Diretor e do Editor para dar a trilha sonora do filme um sentido coerente e bem coordenado.
Esse sonho tem sido difícil de se concretizar, e de fato tem feito pouco progresso desde meados dos anos 70. O termo designer de som acabou sendo associado simplesmente com o uso de equipamento especializado em criar efeitos especiais de som. Em “THX-1138” e “The Conversation”, Walter Murch foi o designer de som no senso completo da palavra. O fato que ele também era o Editor de Imagens em “The Conversation” e “Apocalypse Now” colocou ele em um posição de moldar esses filmes de formas que permitiram que ele usasse o som de uma forma orgânica e poderosa. Nenhum outro designer de som em outros filmes americanos tiveram essa oportunidade.
Assim, o sonho de dar ao som importância igual a dada a imagem está deferido. Algum dia a indústria pode apreciar e fomentar o modelo estabelecido por Murch. Até lá, se você editar um diálogo, escrever um roteiro, gravar uma música, criar um efeito de foley, editar o filme ou alguma das centenas de tarefas em uma produção de filme, enfim, seja alguém que molde, edite ou mesmo considere o som ao tomar decisões criativas em qualquer que seja sua equipe, projete o som para o filme, e projete o filme para o som.
Fonte: filmsound.org